6 de outubro de 2012

Naomi T.: Cientista Maluca com mestrado em Culinária Alternativa

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Apesar de repugnar aquelas piadas de "mulher pertence na cozinha" que determinado tipo de indivíduos do sexo masculino insiste em fazer - aqueles que muitos chamam de "machista", mas eu prefiro "forever solteiro, odiado e virgem" - eu até não desgosto de cozinhar. Mas só bolos, omeletes e crepes. O resto vai porcaria congelada de microondas mesmo.

O problema é que de gostar até ter jeito para isso, ainda vão uns quantos anos-luz. 

E muita alma bondosa me diz que "aaah, isso é questão de prática". Meu filho. MEU FILHO. Desastrice é coisa que nem prática, nem macumba, nem porra nenhuma, tira. E para uma pessoa que tropeça nos próprios pés e se engasga na própria saliva numa base diária, cozinhar sem dizimar a cidade inteira não depende da prática, depende da sorte pura e dura, mesmo.

Ah. Acham que estou para aqui a exagerar descomunalmente, não é? Pois bem, reparem no meu historial de experiências culinárias, e depois não digam que eu não vos avisei.



Devia eu ter para aí os meus treze anos. A esta altura do campeonato, quase todos os meus amigos sabiam , pelo menos, aquecer leite no microondas, e eu ficava-me pelos cereais com leite frio. Isto porque sempre tive medo daquela temível dupla de maquinetas, vulgo microondas e forno.

É coisa de otária, não é? Do fogão, que ainda por cima tenho de acender com fósforo e correr o risco de fazer uma fogueira de São João com a rua inteira, não tinha eu medo. Não, era muito mais racional ter medo de uns aparelhos que, sabendo mexer nos botões corretamente, não havia mais simples.

Ainda hoje eu estou de ponta com o forno, que nunca sei que botão usar. Na dúvida, como a massa do bolo crua e deixo quieto.

Mas pronto, eu tinha medo de microondas e fornos. Estava na altura sozinha em casa, sem nada para fazer, e com fome. Nem sei se era fome, se era gula; aos treze anos ainda era uma criança gorda, que comia de três em três nanossegundos. Vasculhei o armário da cozinha, e devia ser perto do fim do mês, pois a única coisa que servia lá de lanche, para além de cereais e batatas fritas, eram umas bolachas de água e sal e um quarto de uma barra de chocolate de leite.

Então, do que é que a esperta aqui se lembrou?

"Vamos derreter o chocolate no microondas e metê-lo nas bolachas!" 

Idéia de génio. Lembrem-se que, á custa do meu receio, nunca tinha pedido sequer á manhê para ensinar a mexer nos modos de aquecimento do bicho. Então, a única coisa que sabia fazer era abrir a portinha e mexer na roda do temporizador. Não tinha sequer uma noção do tempo necessário para certas quantidades, o que era preocupante.

Mesmo assim, fui buscar um recipiente de plástico para aquecer leite, meti lá dentro TRÊS QUADRADINHOS DE CHOCOLATE, e enfiei dentro do microondas. Quanto tempo?

"Ah, cinco minutos deve ser bom!"

Permitam-me só uma pausa para rir da minha própria cara, e cogitar na desgraça que aquilo poderia ter sido. Três quadradinhos de chocolate, do tamanho de uma moeda de dois euros cada um, num recipiente de plástico, durante cinco minutos no microondas.

Escusado será dizer que deu merda.

Não querendo sair de perto da obra de arte em andamento, liguei a televisão da cozinha e por lá fiquei, inocentemente, á espera que passassem os cinco minutos. Dois minutos depois, começo a sentir um cheiro esquisito. Tal foi o susto, que me lembro desse odor até hoje, sem brincadeira: Era algo como caramelo, mas com um travo ácido, e meio húmido, tipo vapor. Fosga-se, eu não sei descrever cheiros, deixem lá.

Ora, tiro o som da televisão, olho para o microondas, e abafo um grito.

Fumo.

"A casa está a arder!" Guinchei mentalmente. Afastando-me lentamente do microondas sem deixar de o fitar, vi que não estava a arder, mas pouco faltava. Soltava fumo que nem um escape de carro pré-sucata pela parte superior da portinhola, que inundou o teto da cozinha em questão de segundos.

E o que fez a vossa heroína semi-obesa preferida?

Telefonou á mãe.

"MÃ O MICROONDAS ESTÁ A ARDER!"

"O quê?!"

"EU METI CHOCOLATE NO COISO DO LEITE E PUS CINCO MINUTOS E FUMO E-"

"ABRE A PORTA DO MICROONDAS!"

Que nem uma gazela a fugir a uma manada de bisontes em debandada, precipitei-me para o canto da cozinha e pressionei a mola ao canto do aparelho. A porta abriu de um pulo, uma lufada de vapor escaldante a passar-me a milímetros do cocuruto.

Abanei a mão a frente da cara enquanto me dirigia para o outro lado da cozinha, já mais calma, para ir abrir a janela. A ausência de fogo deixou-me menos atarantada, e com mais espaço em disco rígido para pensar racionalmente.

"Pronto, afinal não está a arder, é só fumo." Suspirei para o telefone.

"Graças a Deus. Estou quase a chegar a casa, já vemos quanto ao microondas." E desligou.

Não sei se o trauma apagou a minha memória, ou me fez empacar durante a espera. Só me lembro de ouvir o clique da fechadura, e a minha mãe a entrar em casa.

Olhou para dentro do microondas, cuja porta ainda estava escancarada e ainda saiam fios de fumo branco. A amada progenitora tocou com a ponta do indicador no recipiente de plástico e, após verificar que não se encontrava demasiado quente, pegou na asa e tirou-o para fora.

A cena seguinte, também não sei se me dá para rir ou para chorar: o fundo do recipiente estava reduzido a um buraco por onde conseguia passar a minha mão fechada, emoldurado por plástico queimado, ainda algo fervilhante, acastanhado e negro por causa do chocolate. Um fio de plástico derretido ainda saía do microondas e vinha colar-se a um dos cantos borbulhantes, numa cena digna de filme de cientistas dementes.

A minha mãe também não sabia se me havia de esbofetear, se havia de rir da minha cara. Acabou por suspirar, perguntar-me ao certo o que se tinha passado, e seguidamente me advertido para que não voltasse a mexer nos eletrodomésticos quando estivesse sozinha em casa. 

Eu assenti, desculpei-me, e fui comer bolachas de água e sal para o quintal. Fim.



Deu para notar o neu jeitinho para a culinária? Ou é um exemplo muito antigo, e querem algo mais recente?

Pois aqui têm: ontem decidi fazer um bolo de chocolate. Pus os ovos, a farinha, o açúcar, o cacau em pó, o fermento, e como não tinha líquido suficiente ficou uma gororoba peganhenta pra cacilhas. Assim, decidi apanhar a caneca de água a ferver, e soltar um riso maléfico dos confins do Submundo enquanto despejava o líquido fumegante teatralmente para dentro da taça da batedeira. Acontece que a água, com a mudança de temperatura, começou a respingar para todo o canto e eu, temendo ser queimada, fiz mais ou menos assim:

*despeja água* MWAHAHAHAHAHAHAHA *água respinga* HAHAHA-AH-AIAIAIAIAIAIAI A PORRA! *acaba de despejar* -HAHAHAHAHAHA

Esqueci-me é que o meu pai estava na cozinha.

Desde aí que ele me chama cientista maluca.

E depois não digam que não vos avisei.

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